Caia na Toca do Coelho
The Rabbit Hole era um bar curioso. Era alto, mais alto do que qualquer prédio daquela cidadezinha minúscula lotada de caipiras. A construção era irregular, e parecia ameaçada de cair a qualquer instante com a menor brisa. Feias rachaduras estendiam-se por todo o prédio, que era bastante estreito, até o gigantesco coelho de neon no topo do bar que observava os fregueses com olhinhos azuis fantasmagóricos. A porta – se é que poderia ser chamada desse jeito – era mais uma fenda alta, apertada, por onde os clientes tinham que se espremer para passar.
Mais ou menos na metade do The Rabbit Hole, um grande mastro dourado crescia do concreto, carregando uma bandeira enorme de veludo vermelho, que parecia ter sobrevivido a chuva, sol e pássaros famintos. Gravado em letras prateadas, era possível ler claramente mesmo a quilômetros de distância:
“CAIA NA TOCA DO COELHO.”
Era exatamente nesse lugar feio e absurdamente movimentado que vivia a pessoa menos conhecida e mais procurada de toda Ascendia: Aureolus Pomme Alexander. Ou Aure, para os preguiçosos. Mas ninguém dava a mínima para o nome dele. Para começar, Bruxos dos Desejos nem deveriam revelar seus nomes.
Mas pelo menos dessa vez, Aure não será o protagonista dessa história (porque herói seria o cúmulo da ignorância), dessa vez falaremos sobre uma garota. Alice Boreal. E Alice Boreal estava terrivelmente atrasada.
“Merda!”, pensou a garota, enfiando livros, dinheiro e algumas carteiras de identidade falsas na mochila. Desde que Aure tinha concordado em ouvir seus desejos, Alice não tinha conseguido se concentrar em mais nada, o que era bastante irônico, considerando que ela estava quinze minutos atrasada para a reunião.
Não que fosse importante ser pontual, Aure estava ocupado demais trocando almas pelo Ebay.
- Eu troco um Michael Jackson e um Gandhi por um Misha Collins. O que você oferece por uma Britney Spears?
Não que Alice soubesse disso. De qualquer forma, a garota agarrou sua mochila e passou pela sala com a delicadeza de um tornado. Eu adoraria narrar o trajeto até o The Rabbit Hole (o olho da Dália vai estar doendo amanhã), mas eu sei que nós todos temos coisa melhor para fazer. Prosseguindo.
- Minha nossa – começou Aure, quando Alice praticamente desabou dentro da sala VIP, o rosto vermelho, a respiração ofegante. – Você não vai vomitar, vai?
A garota respirou o mais fundo que pôde, enquanto a sala ia se tornando nítida aos seus olhos confusos. E pela primeira vez desde que entrara correndo ela olhou para tudo.
Aure era possivelmente o garoto mais comum que Alice já tinha visto na vida. Cabelos negros, olhos verdes – verdes demais para o seu gosto, quase faiscantes -, roupas azuis perfeitamente arrumadas. Seus traços eram confusos, de certa forma parecia um garotinho que ainda estava entrando na puberdade, mas seus olhos passavam uma maturidade incrível.
A sala era... vazia.. Branca da parede ao teto, excerto por uma poltrona alta e vermelha, onde Aure estava sentado, com um notebook preto no colo, o dedo deslizando distraidamente pelas teclas sensíveis. Os dois estavam completamente sozinhos.
- Eu... estou... aqui... – ofegou Alice, limpando o suor da testa. Aure não respondeu. Alice continuou. – Desculpe a demora, eu não vi o tempo passar e, deixa pra lá. Meu nome é Alice Boreal, muito prazer.
- Claro, por que não. Para começar, eu quero estabelecer algumas regras. Eu realizo um desejo, não dois, não três, e definitivamente não cinco. Um e só, ouviu? Eu não vou fazer imitações racistas e nem transformar seu macaco em elefante,
capicce?
- Ãhm, certo.
- Agora, eu imagino que você esteja com o Enigma. Entregue-o para mim.
- Como?
- O Enigma. – repetiu o moreno, aborrecido. – Não me diga que a Melchior lhe disse minha localização sem lhe dar um Enigma.
- Desculpe, eu não faço idéia do que seja isso. A mulher que me disse que você estava aqui só falou que eu deveria vir às 20h. – Alice lambeu os lábios, nervosa.
Aure pareceu cada vez menos feliz.
- Vagabunda.
- Como?!
- Não você, a outra vagabunda. Então, err,
Sue.
- Alice. – corrigiu a garota, com o máximo de dignidade que conseguiu reunir com o rosto vermelho e a respiração ainda ofegante.
- Claro. Enfim, tecnicamente eu não deveria realizar seu desejo se você não tem um Enigma. Fora que você está nojenta. – ele apontou para a franja de Alice, que tinha colado em sua testa com o suor.
Aure tinha problemas com humanos. Talvez porque, antes da Divina Aurora retirar seu Enigma Mestre e reduzi-lo a um mero Bruxo dos Desejos, ele gastava seu tempo em espalhar o caos, realizar suntuosos banquetes e longas orgias. Involuntariamente, Aure sorriu. Por onde andariam Ónys e Perséfone?
- Mas... se eu não realizar o seu desejo, principalmente depois de ter te usado como desculpas para não ter que visitar a Bruxa das Lâminas, a Divina Claire vai me machucar. Muito. – Alice não estava entendendo absolutamente nada do que estava acontecendo, mas sentia que a conversa estava ficando boa para ela. – Então eu, Aure Pomme Alexander, Bruxo dos Desejos, Segundo Andar na Torre de Babel, farei com que seu pedido seja realizado.
Ele abriu o notebook.
- Você vai receber seu vibrador do Edward Cullen em uma semana,
Tina, agradecemos pela preferência. Que Claire ilumine seu caminho, etc.
- Sim, muito obrigado... espera aí, não é esse meu desejo! Eu quero que meu pai saia do coma.
Aure ergueu uma de suas sobrancelhas perfeitas.
- Seu pai vai te fazer ter múltiplos orgasmos?
- Não, claro que não! – gritou Alice, horrorizada.
- Então cale a boca e espere uma semana,
Rachel.
A garota avançou em Aure, colocando suas mãos nos braços da cadeira, olhando fixamente para o Bruxo.
- Eu vim fazer um desejo e quero que você o cumpra. TIRE MEU PAI DO COMA!
- Certo, certo. – o Bruxo suspirou. – Eu vou realizar seu desejo, Alicia. Amanhã de manhã seu pai acordará do coma.
O rosto de Alice se iluminou em um sorriso enorme e ela abraçou Aure. O garoto ficou paralisado por alguns minutos e disse, lentamente:
- Pare de me tocar.
- Obrigada, obrigada, obrigada! Eu serei eternamente grata, Aureolus... Aure... Obrigada! – com lágrimas escorrendo do rosto, Alice beijou a testa de Aure. Um músculo no rosto do garoto começou a tremer violentamente, mas a garota estava ocupada dando saltos.
- Sim, eu sou um máximo. Saia do meu quarto,
Mercedes. – imediatamente a porta da Sala VIP se abriu sozinha. Como se estivesse sendo controlada por cordas invisíveis, Alice ficou de quatro e, com um salto gracioso, saiu pela porta, batendo a cabeça na parede do corredor. – Ah, Claire vai me bater por isso.
Mal a garota tinha ido embora, outra entrou. Uma mulher deslumbrante, com uma taça de vinho na mão, o rosto coberto de maquiagem, usando um vestido de penas que a fazia parecer um pavão gigante. Mas nem todas as penas do vestido ou o exagero de batom conseguia deixá-la menos bonita.
- Era exatamente com você que eu queria falar, Melchior. – disse Aure, olhando para a bela mulher.
- Desculpe, Aurie, eu estava ocupada. – falou Melchior, com um forte sotaque francês. “Sim”, pensou Aure, “fortemente fingido.”
- Céus, não me diga que você procriou.
- Não seja estúpido. Então, você realizou o desejo daquela menina? Eu achei que seus Enigmas tinham acabado.
- E acabaram. A propósito... – ele entregou um pedaço de papel para Melchior. – Vá nesse endereço amanhã de manhã, leve Balthazar e Gasper se quiser, e jogue água em todos os pacientes, até acordarem.
Melchior olhou para a taça de vinho em sua mão e suspirou. Ela merecia, estava muito ocupada pensando em quantos fluídos corporais poderia trocar com aquele investidor alemão, e se esquecera de entregar o Enigma a garota.
- Como quiser, querido. Só precisarei levar Gasper, nós dois temos... assuntos inacabados a tratar. – ela piscou maliciosamente. Aure ficou em silêncio, olhado para a tela do notebook.
- Melchior...
- Sim?
- Jared Padalecki?
- Com certeza, amor.
Aure apertou o Enter e suspirou. Como Ónys e Perséfone estariam?
COMENTÁRIOS DO AUTOR:Faz um tempo que eu queria escrever essa fanfic, espero que tenha ficado boa. Comentem, ou os guaxinins vão comer seus cérebros.